
A liberação segura do cateter venoso central (CVC) guiada exclusivamente por ultrassonografia é uma prática cada vez mais adotada, especialmente em ambientes que priorizam agilidade, segurança do paciente e racionalização de recursos. Após a punção guiada por guiada por ultrassom, duas etapas principais devem ser realizadas para confirmar a correta posição do cateter e excluir pneumotórax, sem necessidade de radiografia.
Primeiro, recomenda-se a avaliação bilateral do deslizamento pleural (lung sliding) antes e após o procedimento para excluir pneumotórax após inserções em veia jugular interna ou subclávia/axilar. A presença de deslizamento pleural bilateral + Linhas A ou a presença de linhas B, consolidações ou derrame pleural descartam a presença de pneumotórax.
Em seguida, a confirmação da posição do cateter é feita através do Teste de Microbolhas (Bubble Test). Ele consiste na infusão rápida de soro fisiológico agitado e visualização do sinal de turbilhonamento no átrio direito (Right Atrial Swirl Sign) em até 2 segundos da sua infusão. A ausência do sinal pode sugerir malposicionamento, exigindo reavaliação.
Essa abordagem permite liberação imediata do CVC com alto grau de segurança. Mas o que falam as evidências?
Trouxemos hoje um estudo publicado na CritCareMed em 2017 sobre o tema.
Ablordeppey et al. "Diagnostic accuracy of central venous catheter confirmation by bedside ultrasound versus chest radiography in critically ill patients: A systematic review and meta-analysis." Crit Care Med. 2017 Apr;45(4):715–724. DOI: 10.1097/CCM.0000000000002188
📌 1. Pergunta do estudo
Pergunta: Em pacientes críticos, a ultrassonografia à beira-leito é tão precisa quanto a radiografia de tórax para confirmar a posição do cateter venoso central e detectar pneumotórax?
✅ 2. Critérios de inclusão
Estudos com dados suficientes para reconstrução de tabelas de contingência 2×2.
População: pacientes críticos com CVC.
Comparação direta entre ultrassonografia e radiografia de tórax para:
Confirmação da posição do CVC;
Detecção de pneumotórax.
Publicações de 1990 a 2016, incluindo resumos de congressos relevantes.
❌ 3. Critérios de exclusão
Não especificados claramente no corpo do artigo, mas indicam na Digital Content 5 (não disponível no PDF carregado) que estudos sem dados para 2×2 ou sem dados comparativos foram excluídos.
📋 4. PICOTT
Elemento | Descrição |
P | Pacientes críticos com CVC recém-inserido |
I | Confirmação por ultrassonografia à beira-leito (cardíaca + pulmonar) |
C | Radiografia de tórax pós-procedimento |
O | Diagnóstico de malposição do CVC e presença de pneumotórax |
T (tipo) | Estudos observacionais, incluindo prospectivos e retrospectivos |
T (tempo) | Publicações entre 1990 e junho de 2016 |
🔍 5. Checklist PRISMA 2020 – Avaliação crítica
Seção | Itens Relevantes PRISMA | Avaliação |
Título | Identifica claramente como revisão sistemática e metanálise | ✅ Sim |
Resumo | Estrutura resumida presente, mas sem seguir modelo PRISMA Abstract | ⚠️ Parcial |
Introdução | Racional e objetivo explícitos | ✅ Sim |
Métodos | ||
- Critérios de inclusão/exclusão | ✅ Sim | |
- Fontes de informação (PubMed, EMBASE, etc.) | ✅ Sim | |
- Estratégia de busca (detalhada em anexo digital) | ⚠️ Parcial | |
- Processo de seleção dos estudos | ✅ Sim | |
- Extração de dados (dois revisores + padronização) | ✅ Sim | |
- Avaliação de risco de viés (QUADAS-2) | ✅ Sim | |
- Medidas de efeito (sensibilidade, especificidade, LR) | ✅ Sim | |
- Heterogeneidade e modelo estatístico | ✅ Sim | |
- Subgrupos e sensibilidade | ✅ Sim | |
- Viés de publicação | ❌ Não avaliado (justificado por n pequeno) | |
Resultados | ||
- Diagrama de fluxo da seleção de estudos | ✅ Sim | |
- Características dos estudos incluídos | ✅ Sim | |
- Avaliação individual de viés dos estudos | ✅ Sim | |
- Resultados dos estudos e metanálises | ✅ Sim | |
- Análise de subgrupos | ✅ Sim | |
- Análise de sensibilidade | ✅ Sim | |
- Viés de publicação | ❌ Não | |
- Avaliação da certeza da evidência | ❌ Não reportada | |
Discussão | ||
- Interpretação geral | ✅ Sim | |
- Limitações da evidência | ✅ Sim | |
- Limitações do processo de revisão | ✅ Sim | |
- Implicações clínicas e para pesquisa futura | ✅ Sim | |
Outras informações | ||
- Registro e protocolo | ❌ Não registrado | |
- Apoio financeiro | ✅ Sim | |
- Conflito de interesse | ✅ Sim | |
- Dados públicos | ❌ Não informado |
📊 Resultados-chave (Resumo)
Desfecho | Valor Pooled |
Sensibilidade do ultrassom para malposição | 0.82 [0.77–0.86] |
Especificidade | 0.98 [0.97–0.99] |
LR+ | 31.12 [14.72–65.78] |
LR- | 0.25 [0.13–0.47] |
Sens. pneumotórax | ~100% (em 4 estudos com dados completos) |
Especificidade pneumotórax | 100% |
Tempo para confirmação | US: 5,6 min vs. RX: 63,9–143,4 min |
Feasibilidade US | 96,4–100% |
Confiabilidade interobservador | ~94,5% (kappa) |
🧠 Take-home messages
A ultrassonografia à beira-leito é eficaz e rápida para confirmar a posição do CVC e detectar pneumotórax.
Tem potencial para substituir a radiografia em muitos contextos clínicos.
Sua sensibilidade para detectar malposição não é perfeita: 1 em cada 5 malposições pode ser perdida.
A técnica ideal inclui visualização vascular e cardíaca, com flush salino rápido (contrastado ou não).
⚠️ Limitações do estudo
Heterogeneidade estatística alta (I² > 70%);
Alto risco de viés em parte dos estudos;
Falta de registro no PROSPERO;
Definição de malposição do CVC é debatida;
Viés de publicação não avaliado.
Reflexão final:
A incorporação da ultrassonografia como método de liberação do CVC à beira-leito representa um avanço relevante na prática clínica, permitindo confirmação segura e imediata da posição do cateter e exclusão de pneumotórax sem necessidade rotineira de radiografia. Mas quem são os pacientes na nossa prática clínica candidatos a liberação apenas com ultrassom? E aqui vai uma opinião de especialista.
Ainda faltam dados que suportem a conduta de dependermos apenas do ultrassom em 100% dos casos. Porém, em pacientes estáveis, com procedimento sem intercorrências, ausência de ventilação mecânica e achados ultrassonográficos compatíveis (deslizamento pleural bilateral e sinal de turbilhonamento atrial), a radiografia pode ser omitida com segurança.
No entanto, em casos com instabilidade hemodinâmica, dificuldade técnica ou suspeita clínica de complicações, e presença de ventilação mecânica, a radiografia torácica continua sendo indicada.
Claro, a decisão deve ser individualizada, considerando o contexto clínico, a experiência do operador e os protocolos institucionais da sua realidade.
Referência:
Ablordeppey et al. "Diagnostic accuracy of central venous catheter confirmation by bedside ultrasound versus chest radiography in critically ill patients: A systematic review and meta-analysis." Crit Care Med. 2017 Apr;45(4):715–724. DOI: 10.1097/CCM.0000000000002188