
Imagine a cena: O paciente chega ao pronto‑socorro com dor torácica e eletrocardiograma revelando IAMCSST. Você já organiza a equipe para a angioplastia, mas em paralelo pega o transdutor, percorre rapidamente oito pontos do tórax e, antes de abrir a artéria, sabe quem tem um risco ínfimo de morrer — e quem precisa de vigilância máxima. Essa é a provocação central do estudo “Admission Bedside Lung Ultrasound Reclassifies Mortality Prediction in Patients With STEMI”.
O que eles investigaram?
Pergunta: Adicionar ultrassom de pulmão (LUS) na admissão, em comparação à avaliação clínica tradicional (Killip), melhora a predição de mortalidade hospitalar em adultos com IAMCSST?
Desenho em PECO
P | 215 adultos (≥ 18 anos) com IAMCSST em hospital terciário (2018‑2019) |
E | LUS positivo para congestão (≥ 1 zona com B‑lines) realizado antes da angioplastia |
C | LUS negativo (pulmões “secos”) |
O | Mortalidade intra‑hospitalar e reclassificação de risco (AUC, NRI) |
T | Coorte prospectiva unicêntrica |
Protocolo de ultrassom pulmonar usado no estudo:
Etapa | Detalhes operacionais |
Equipamento | Portátil SonoSite® com transdutor convexo de 3,5 MHz. LUCK |
Posição do paciente | Supino, antes da angioplastia primária. |
Orientação da sonda | Sagital (perpendicular ao espaço intercostal). |
Mapeamento de zonas | 8 zonas totais – 2 anteriores + 2 laterais em cada hemitórax (4 por lado). LUCK |
Aquisição | Um varrimento por zona (imagem avaliava em tempo real; não gravada para revisão offline). |
Critério de positividade | Zona considerada positiva se ≥ 3 linhas B contínuas. Ausência de linhas B em todas as zonas = “pulmões secos”. |
Derrame pleural | Não avaliada neste protocolo. |
Tempo de exame | ≤ 3 minutos; não atrasou “door‑to‑balloon”. |
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Avaliação crítica rápida do artigo (checklist STROBE)
Seção | Pontos fortes | Pontos a melhorar |
Título/Resumo (Item 1) | Deixa claro ser prospectivo | Não especifica “coorte” no título STROBE- |
Métodos (Itens 4‑12) | Critérios de inclusão/exclusão, cálculo amostral, ROC/DeLong, regressão logística bem descritos | Centro único, poder estatístico limitado para comparar AUCs |
Viés (Item 9) | Operadores cegos à Killip | Desfecho não cego; sem análise offline de imagens |
Resultados (Itens 13‑17) | Flowchart completo, dados de periprocedimento | Falta detalhar perdas de seguimento (nenhuma reportada) |
Discussão (Itens 18‑21) | Limitações e generalização explicitadas | População brasileira pode limitar extrapolação |
Quais os principais resultados?
Métrica | Pulmões “secos” | Pulmões “molhados” | Impacto clínico |
Mortalidade hospitalar | 2 % (2/105) | 25 % (28/110) | Diferença absoluta 23 p.p.; OR ajustada 11,9 (IC 95 % 2,7‑86,8) |
Choque cardiogênico | 5 % | 33 % | +28 p.p. de choque quando há congestão |
Fraç. ejeção pós‑IAM | 53 % ± 12 | 43 % ± 10 | ↓ 10 p.p. com pulmão molhado |
Acurácia (AUC) | — | — | Killip 0,86 → LUCK 0,89; ganho significativo (p = 0,05) |
Reclassificação de risco (NRI) | — | — | +0,18 → 1 em cada 5 pacientes foi movido para a categoria de risco correta graças ao LUS |
Valor preditivo negativo | 98 % | — | Pulmão seco foi capaz de predizer sobrevida hospitalar (VPN 98 %). |

Take‑home messages do uso do LUS nos pacientes com IAMCSST:
1. Screening em 3 min – Se o LUS não mostrar linhas‑B, a chance de óbito intrahospitalar despenca para ~2 %. Pulmões secos com VPN‑ negativo 98 %).
Alerta máximo – Congestão pulmonar multiplicou o risco de morte em mais de 11 vezes, mesmo após ajuste. Uma zona positiva já eleva o risco.
Ferramenta superior – Combinar LUS ao Killip (LUCK) bate TIMI e GRACE na predição de mortalidade e redefine o plano de cuidados em tempo real. A nova classificação LUCK (Killip + LUS) superou TIMI e GRACE (AUC 0,89) e reclassificou 1 em cada 5 pacientes
Considerações:
Pontos fortes do estudo: coleta prospectiva, exame de < 3 min, cegamento parcial, análise estatística robusta.
Fragilidades: hospital único, n relativamente pequeno, possíveis confundidores residuais.
Sabe o melhor? Estudo brasileiro bem feito em POCUS pelos Hospital de Clinicas de Porto Alegre.
📚 Leia o estudo na integra!
DOI: 10.1161/CIRCIMAGING.119.010269