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Uso de ecografia no choque é capaz de reduzir a incerteza diagnóstica e mudar condutas?

O que dizem as evidências?

Gabrielle Turnes

21 de mai. de 2025

Você está de plantão e recebe um paciente em choque, a história sugere choque séptico. Você inicia a ressuscitação volêmica, coleta culturas, prescreve antibioticoterapia, porém o paciente evolui com um piora hemodinâmica. Ao realiza o exame cardíaco focado (FOCUS), identifica uma função de ventrículo esquerdo gravemente reduzida e muda a conduta.


Essa foi a pergunta do maior estudo prospectivo multicêntrico britânico sobre ecocardiografia no choque, cobrindo 178 UTIs e 1 015 pacientes.


Pergunta do estudo

Adicionar ecocardiografia ≤ 72 h na admissão de adultos com choque altera decisões terapêuticas ou reduz a incerteza diagnóstica em comparação a não usar eco?


Desenho PECOT

Elemento

Descrição

População

1 015 adultos (≥ 18 anos) com choque (PAS < 90 mmHg ≥ 30 min ou vasopressor + hipoperfusão) em 178 UTIs do Reino Unido/Crown Dependencies (mar 2024)

Exposição

Ecocardiografia (focada ou abrangente) realizada ≤ 72 h (54 % receberam; 43 % ≤ 24 h; 7 % ≤ 1 h)

Comparador

Não realização de eco no mesmo intervalo

Outcome (Desfecho)

Relato da equipe de mudança de conduta ou ↓ incerteza diagnóstica; adesão a governança (imagens + laudo)

Tipo de estudo

Coorte prospectiva, multicêntrica, observacional


Protocolo do eco no estudo

Etapa

Detalhes-chave

Modalidade do eco realizado

365 focados (67 %), 180 abrangentes (33 %); 1 % TEE

Operadores

58 % equipe de terapia intensiva; 32 % cardiologia/fisiologia

Tempo até eco

Focada: mediana 4 h (IQR 1-12); Abrangente: 16 h (6-28) — p < 0,0001

Acreditação

56 % por profissionais certificados (FUSIC 59 %, BSE TTE2 25 %, outros)

Governança

Somente 25 % das ecocardiografias com imagens arquivadas e laudo estruturado conforme diretriz

Checklist STROBE

Seção

Pontos fortes

Pontos a melhorar

Título/Resumo

Define “prospective, multi-centre”

Não coloca “cohort” no título

Métodos

Critérios claros de choque, follow-up 72 h, coleta REDCap

Sem cálculo de amostra; sem análise multivariada

Viés

Definição uniforme + protocolo; 70 % das UTIs do UK incluídas

“Mudança de conduta” subjetiva; possível efeito Hawthorne

Resultados

Flowchart, estratificação por tipo de choque, p-values

Não reporta desfechos duros (mortalidade)

Discussão

Reconhece limitações, sugere barreiras de acesso

Não explora soluções práticas para governança

Resumo dos resultados

Métrica

ECO realizado (n = 545)

Sem ECO (n = 470)

Qualquer impacto (↓ incerteza ou mudança)

291 (54 %)

Mudança de conduta direta

270 (50 %)

↓ Incerteza diagnóstica

120 (22 %)

Impacto por etiologia

Obstrutivo 75 %; Cardiogênico 58 %; Misto 58 %; Hipovolêmico 44 %; Distributivo 36 %

Focada vs Abrangente

46 % vs 56 % mudaram conduta (p = 0,037)

Governança completa

25 % dos exames dos exames com laudo e registro de imagens


✅Pontos fortes do estudo:

  • Cobriu 70 % das UTIs britânicas. O maior estudo até o momento realizado → alta generalização

  • Coleta prospectiva padronizada (REDCap)

  • Estratificação detalhada por tipo de choque e modalidade de eco


⚠️Limitações:

  • Definição de “impacto” subjetiva e sem verificação independente

  • Nenhum outcome clínico duro (mortalidade, SOFA)

  • Baixa aderência a governança pode subestimar ensino/QA

  • Possível viés de seleção (UTIs pró-eco aderiram mais)


Take-home messages para quem respira POCUS

  1. Foque nas primeiras horas: FOCUS em ≤ 4 h mudou conduta ou esclareceu o quadro em 1 a cada 2 choques.

  2. Cardiogênico/Obstrutivo são “gold mine”: eco alterou manejo em 58 - 75 % desses pacientes.

  3. Focada resolve, abrangente refina: faça o FOCUS já; peça a TTE completa quando possível

  4. Treinamento validado conta: > 50 % dos exames vieram de operadores acreditados; uma realidade diferente da Brasileira. 


Reflexão final:

A incorporação de um FOCUS sistemático nas primeiras horas de choque representa um avanço tangível na abordagem hemodinâmica: ao revelar, em tempo real, disfunção ventricular grave, tamponamento, sobrecarga de VD ou hipovolemia franca, o eco permite que intervenções dirigidas aconteçam antes que a espiral do choque se instale. Mas quem, na prática, é o melhor candidato a esse “eco-decisor”? — E aqui vai uma opinião de especialista. TODOS. Mas em especial nos pacientes com choque de etiologia não esclarecida ou suspeita de cardiogênico/obstrutivo. Nos pacientes com suspeita de choque cardiogênico ou obstrutivo, o FOCUS precoce mostrou maior capacidade de redefinir a estratégia terapêutica (≥ 58 % de mudança de conduta no estudo). Nesses cenários, deixar o eco para depois pode significar perder a janela de reperfusão, trombólise ou drenagem de pericárdio no tempo ideal. Já nos choques distributivos puros, em que o manejo guiado por volume e vasopressor é mais protocolar, o eco continua útil, em especial para guiar a terapia de fluidos, descartar outras causas, mas o impacto absoluto é menor (≈ 36 %).

 

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Referência:Flower L, Waite A, Boulton A, et al. The use of echocardiography in the management of shock in critical care: a prospective, multi-centre, observational study. Intensive Care Med. 2024;50:1668-1680. DOI 10.1007/s00134-024-07590-6

 

 

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